O mais novo jargão de "ameaça e vingança" entre os evangélicos ou crentes como queiram chamar é o uso do verbo imperativo afirmativo - "Não toqueis nos meus ungidos". Uma citação bíblica em I Crônicas na íntegra (Não toqueis os meus ungidos, e aos meus profetas não façais mal.) I Cron. 16.22 veja bem que está específico o cuidado de Deus sobre seus ungidos e profetas, porém vamos estudar brevemente esta colocação e descobrir biblicamente quem era um e quem era outro.
Vejamos o que um dos grandes teólogo da atualidade Pr. Augustus Nicodemus esclarece de forma clara e explícita:
Há várias passagens na Bíblia
onde aparecem expressões iguais ou semelhantes a estas do título desta
postagem:
A ninguém permitiu que os
oprimisse; antes, por amor deles, repreendeu a reis, dizendo: Não toqueis nos
meus ungidos, nem maltrateis os meus profetas (1Cr 16:21-22; cf. Sl 105:15).
Todavia, a passagem mais
conhecida é aquela em que Davi, sendo pressionado pelos seus homens para
aproveitar a oportunidade de matar Saul na caverna, respondeu: “O Senhor me
guarde de que eu faça tal coisa ao meu senhor, isto é, que eu estenda a mão
contra ele [Saul], pois é o ungido do Senhor” (1Sm 24:6).
Noutra ocasião, Davi impediu
com o mesmo argumento que Abisai, seu homem de confiança, matasse Saul, que
dormia tranquilamente ao relento: “Não o mates, pois quem haverá que estenda a
mão contra o ungido do Senhor e fique inocente?” (1Sm 26:9). Davi de tal forma
respeitava Saul, como ungido do Senhor, que não perdoou o homem que o matou:
“Como não temeste estender a mão para matares o ungido do Senhor?” (2Sm 1:14).
Esta relutância de Davi em
matar Saul por ser ele o ungido do Senhor tem sido interpretado por muitos
evangélicos como um princípio bíblico referente aos pastores e líderes a ser
observado em nossos dias, nas igrejas cristãs. Para eles, uma vez que os pastores,
bispos e apóstolos são os ungidos do Senhor, não se pode levantar a mão contra
eles, isto é, não se pode acusa-los, contraditá-los, questioná-los, criticá-los
e muito menos mover-se qualquer ação contrária a eles. A unção do Senhor
funcionaria como uma espécie de proteção e imunidade dada por Deus aos seus
ungidos. Ir contra eles seria ir contra o próprio Deus.
Mas, será que é isto mesmo que a Bíblia ensina?
A expressão “ungido do Senhor”
usada na Bíblia em referência aos reis de Israel se deve ao fato de que os
mesmos eram oficialmente escolhidos e designados por Deus para ocupar o cargo
mediante a unção feita por um juiz ou profeta. Na ocasião, era derramado óleo
sobre sua cabeça para separá-lo para o cargo. Foi o que Samuel fez com Saul
(1Sam 10:1) e depois com Davi (1Sam 16:13).
A razão pela qual Davi não
queria matar Saul era porque reconhecia que ele, mesmo de forma indigna,
ocupava um cargo designado por Deus. Davi não queria ser culpado de matar
aquele que havia recebido a unção real.
Mas, o que não se pode ignorar
é que este respeito pela vida do rei não impediu Davi de confrontar Saul e
acusá-lo de injustiça e perversidade em persegui-lo sem causa (1Sam 24:15).
Davi não iria matá-lo, mas invocou a Deus como juiz contra Saul, diante de todo
o exército de Israel, e pediu abertamente a Deus que castigasse Saul, vingando
a ele, Davi (1Sam 24:12). Davi também dizia a seus aliados que a hora de Saul
estava por chegar, quando o próprio
Deus haveria de matá-lo por seus pecados
(1Sam 26:9-10).
O Salmo 18 é atribuído a Davi,
que o teria composto “no dia em que o Senhor o livrou de todos os seus inimigos
e das mãos de Saul”. Não podemos ter plena certeza da veracidade deste
cabeçalho, mas existe a grande possibilidade de que reflita o exato momento
histórico em que foi composto. Sendo assim, o que vemos é Davi compondo um
salmo de gratidão a Deus por tê-lo livrado do “homem violento” (Sl 18:48), por
ter tomado vingança dos que o perseguiam (Sl 18:47).
Em resumo, Davi não queria ser
aquele que haveria de matar o ímpio rei Saul pelo fato do mesmo ter sido ungido
com óleo pelo profeta Samuel para ser rei de Israel. Isto, todavia, não impediu
Davi de enfrentá-lo, confrontá-lo, invocar o juízo e a vingança de Deus contra
ele, e entregá-lo nas mãos do Senhor para que ao seu tempo o castigasse
devidamente por seus pecados.
O que não entendo é como,
então, alguém pode tomar a história de Davi se recusando a matar Saul, por ser
o ungido do Senhor, como base para este estranho conceito de que não se pode
questionar, confrontar, contraditar, discordar e mesmo enfrentar com firmeza
pessoas que ocupam posição de autoridade nas igrejas quando os mesmos se tornam
repreensíveis na doutrina e na prática.
Não há dúvida que nossos
líderes espirituais merecem todo nosso respeito e confiança, e que devemos
acatar a autoridade deles – enquanto, é claro, eles estiverem submissos à
Palavra de Deus, pregando a verdade e andando de maneira digna, honesta e
verdadeira. Quando se tornam repreensíveis, devem ser corrigidos e admoestados.
Paulo orienta Timóteo da seguinte maneira, no caso de presbíteros
(bispos/pastores) que errarem: “Não aceites denúncia contra presbítero, senão
exclusivamente sob o depoimento de duas ou três testemunhas. Quanto aos que
vivem no pecado, repreende-os na presença de todos, para que também os demais
temam” (1Tim 5:19-20).
Os “que vivem no pecado”, pelo
contexto, é uma referência aos presbíteros mencionados no versículo anterior.
Os mesmos devem ser repreendidos publicamente.
Mas, o que impressiona mesmo é
a seguinte constatação. Nunca os apóstolos de Jesus Cristo apelaram para a
“imunidade da unção” quando foram acusados, perseguidos e vilipendiados pelos
próprios crentes. O melhor exemplo é o do próprio apóstolo Paulo, ungido por
Deus para ser apóstolo dos gentios. Quantos sofrimentos ele não passou às mãos
dos crentes da igreja de Corinto, seus próprios filhos na fé! Reproduzo apenas
uma passagem de sua primeira carta a eles, onde ele revela toda a ironia,
veneno, maldade e sarcasmo com que os coríntios o tratavam:
“Já estais fartos, já estais
ricos; chegastes a reinar sem nós; sim, tomara reinásseis para que também nós
viéssemos a reinar convosco. Porque a mim me parece que Deus nos pôs a nós, os
apóstolos, em último lugar, como se fôssemos condenados à morte; porque nos
tornamos espetáculo ao mundo, tanto a anjos, como a homens. Nós somos loucos
por causa de Cristo, e vós, sábios em Cristo; nós, fracos, e vós, fortes; vós,
nobres, e nós, desprezíveis. Até à presente hora, sofremos fome, e sede, e
nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa, e nos afadigamos,
trabalhando com as nossas próprias mãos. Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos,
suportamos; quando caluniados, procuramos conciliação; até agora, temos chegado
a ser considerados lixo do mundo, escória de todos. Não vos escrevo estas
coisas para vos envergonhar; pelo contrário, para vos admoestar como a filhos
meus amados. Porque, ainda que tivésseis milhares de preceptores em Cristo, não
teríeis, contudo, muitos pais; pois eu, pelo evangelho, vos gerei em Cristo
Jesus. Admoesto-vos, portanto, a que sejais meus imitadores” (1Cor 4:8-17).
Por que é que eu não encontro
nesta queixa de Paulo a repreensão, “como vocês ousam se levantar contra o
ungido do Senhor?” Homens de Deus, os verdadeiros ungidos por Ele para o
trabalho pastoral, não respondem às discordâncias, críticas e questionamentos
calando a boca das ovelhas com “não me toque que sou ungido do Senhor,” mas com
trabalho, argumentos, verdade e sinceridade.
“Não toque no ungido do
Senhor” é apelação de quem não tem nem argumento e nem exemplo para dar como
resposta.
Publicado por: Daniel Mendes - DRT 0092/MS